UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO - FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL – PPGPLAN LINHA DE PESQUISA: ANÁLISE E GESTÃO AMBIENTAL LARISSA MALISE MARQUES SISTEMA SÓCIOECOLÓGICO DA LAGOA DE GAROPABA/SC: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS FLORIANÓPOLIS – 2023 2 LARISSA MALISE MARQUES SISTEMA SÓCIOECOLÓGICO DA LAGOA DE GAROPABA/SC: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, área de concentração em Análise e Gestão Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues Filho FLORIANÓPOLIS - 2023 3 4 LARISSA MALISE MARQUES SISTEMA SÓCIOECOLÓGICO DA LAGOA DE GAROPABA/SC: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, área de concentração em Análise e Gestão Ambiental. BANCA EXAMINADORA Orientador: ____________________________________ Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues Filho UDESC Membros: ___________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Rodrigues de Freitas PPGCA - UNISUL ___________________________________ Prof. Dr. David Valença Dantas UDESC Florianópolis, 2023 5 AGRADECIMENTO Ao Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues Filho, pela orientação e confiança para a realização deste trabalho. Aos professores membros da banca Dr. Rodrigo Rodrigues de Freitas e Prof. Dr. David Valença Dantas. A minha mãe Maria Aparecida Malise, que me ajudou e incentivou em cada minuto deste trabalho. Aos Pescadores Artesanais Tradicionais que me receberam em suas casas com muita cordialidade e disposição para compartilhar de seus conhecimentos. 6 RESUMO A Lagoa de Garopaba, situada no município de Garopaba, região Centro-Sul Catarinense, é um sistema utilizado por distintos atores sociais, em atividades de lazer e econômica. Dentre estes atores, destacam-se os pescadores artesanais, os quais atuam em distintas modalidades pesqueiras na Lagoa de Garopaba. No presente esforço, analisou-se os aspectos sociais, econômicos e culturais dos pescadores locais que atuam na Lagoa de Garopaba, bem como empregou-se o Conhecimento Ecológico dos mesmos para caracterizar as práticas e estratégias de pesca, e as ameaças para a atividade pesqueira na área de estudo, bem como os conflitos socioambientais entre os atores sociais. O procedimento metodológico consistiu na coleta dos dados por meio de entrevistas de 32 pescadores usando questionário semiestruturado, focado nos aspectos quali-quantitativos. A escolha dos entrevistados foi feita a partir do método Bola de Neve. As entrevistas foram gravadas, para uma posterior análise do conteúdo. A partir desta, extraiu-se variáveis e covariáveis, as quais foram empregadas para elaboração de gráficos e tabelas. Os resultados evidenciaram que os pescadores são em maioria do sexo masculino (n = 30). Em geral, os pescadores utilizam distintos conhecimentos, práticas de manejo e estratégias de pesca, transmitidos pela tradição. Os pescadores apontaram que a poluição por esgoto doméstico e a alta ocupação residencial do entorno são impactos que ameaçam a lagoa. Segundo os pescadores, por conta destes fatores, alterou-se a dinâmica de abertura artificial de sua barra, provocando mudanças nos seus sistemas e gerando conflitos entre diferentes atores, como por exemplos pescadores de distintas modalidades. De maneira geral, foi possível evidenciar que a Lagoa de Garopaba abriga uma atividade pesqueira tradicional que atuam sobre variados recursos biológicos, com valores sociais, culturais e econômicos, que molda o modo de vida dos pescadores locais. Adicionalmente, conclui-se que a pesca e seus atores estão intimamente relacionados, e que a estrutura deste Sistema Socioecológico é dinâmica e suscetível a influência negativa de ameaças e de fatores externos, como a poluição e abertura da barra. Palavras-chave: Lagoas Costeiras; Comunidades Tradicionais; Atividade Pesqueira. 7 ABSTRACT Garopaba’s Lagoon, placed in Garopaba’s city, in the South-central region of Santa Catarina, is a system used by different social actors, in economic and leisure activities. Among these actors, we can highlight the artisanal fishermen, that act in different ways of fishing in Garopaba’s Lagoon. In this study, it was analysed the cultural, economical and social aspects of local fishermen that act in Garopaba’s Lagoon and it was applied the ecological knowledge of them to characterize the practice and strategies of fishing, and the threats for fishing in this study area, as well as the socio-environmental conflicts among the social actors. The methodology consisted in gathering data through interviews with 32 fishermen using a semi-structured questionnaire, that addressed qualitative and quantitative aspects.The choice of the interviewers was made by the snowball method. The interviews were recorded, for a further analysis. From that, it was extracted variables and co-variables, that were apllied to elaborate graphics and tables. The results showed that the fishermen were most part male gender (n=30). In general, fishermen use different fishing knowledge, management practices and strategies that were passed by tradition. Fishermen pointed that pollution by domestic sewage and high occupation around the area are impacts that threat the lagoon. According to fishermen, because of theses factors, the dynamic of artificial bar opening has changed, causing changes in the systems and creating conflicts among different actors, for example, fishermen of different categories. In a general way, it was possible to emphasize that Garopaba’s Lagoon has a traditional fishing activity that act over different biological resources, with social, cultural and economical values, that characterizes the lifestyle of local fishermen. Furthermore, it was concluded that fishing and actors are deeply related and the structure of this socio- ecological system is dynamic and susceptible to the negative influence of threats and external factors, such as pollution and the bar opening. Key-words: Coastal Lagoon; Traditional communities; fishing activity. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização do Município de Garopaba/SC. ............................................................ 22 Figura 2 - Município de Garopaba na década de 70. ................................................................. 23 Figura 3 - Localização da Praia da Ferrugem, Praia da Barra e Barra da Lagoa. ...................... 25 Figura 4 - Lagoa de Garopaba. ................................................................................................... 26 Figura 5 - Pescadores na Lagoa de Garopaba. ........................................................................... 27 Figura 6 - Áreas de estudo. ........................................................................................................ 29 Figura 7 -Áreas de pesca e os principais “pesqueiros” na Lagoa de Garopaba ......................... 41 Figura 8 - Abertura artificial do canal da barra sentido Praia da Ferrugem. .............................. 47 Figura 9 - Abertura sentido sul e norte da Barra ........................................................................ 57 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Lista de ocorrência das espécies de pescados mencionadas pelos pescadores artesanais da Lagoa de Garopaba. ............................................................................................... 37 Tabela 2 - Mudanças na Lagoa de Garopaba .............................................................................. 44 Tabela 3 - Ameaças para a Lagoa de Garopaba .......................................................................... 45 Tabela 4 - Espécies de pescados que sumiram ou diminuíram da Lagoa de Garopaba. ............. 54 Tabela 5 - Conflitos existentes na Lagoa de Garopaba .............................................................. 55 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 2 OBJETIVOS ........................................................................................................................... 15 2.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................................... 15 2.1.1 Objetivos Específicos ................................................................................................ 15 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E TEMÁTICA ............................................................... 16 3.1 SISTEMA SOCIOECOLÓGICO (SSE) ........................................................................... 16 3.4 ECOSSISTEMAS LAGUNARES .................................................................................... 17 3.5. POVOS TRADICIONAIS E PESCADORES ARTESANAIS ........................................ 18 3.6 CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL (CET) ............................................ 21 4 MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................................. 22 4.1 ÁREA DE ESTUDO ......................................................................................................... 22 4.1.1 Garopaba/SC ............................................................................................................ 22 4.1.2 Lagoa de Garopaba .................................................................................................. 25 4.2 COLETA DOS DADOS .................................................................................................... 29 4.3 ANÁLISES DOS DADOS ................................................................................................ 31 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................ 32 5.1 CARACTERIZAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS PESCADORES ARTESANAIS DA LAGOA DE GAROPABA ................................................................................................ 32 5.1.1 Os pescadores artesanais que atuam na Lagoa de Garopaba e suas características socioeconômicas ....................................................................................... 32 5.1.2 Os pescadores artesanais que atuam na região da Lagoa de Garopaba.............. 35 5.1.3 Principais espécies de pescado capturados na Lagoa de Garopaba ................ 37 5.1.4 A Pesca na Lagoa de Garopaba – Práticas e Estratégias ...................................... 41 5.2 AS MUDANÇAS NA LAGOA DE GAROPABA E AS AMEAÇAS À ATIVIDADE PESQUEIRA ........................................................................................................................... 44 5.3 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA LAGOA DE GAROPABA.............................. 54 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 61 7 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 63 APÊNDICES .............................................................................................................................. 74 11 1 INTRODUÇÃO Vivemos atualmente um período de transformações significativas relacionadas à intensificação das atividades humanas no espaço (Cataudella et al., 2015). Os ecossistemas do planeta estão sendo severamente destruídos ou alterados, com uma intensidade de mudanças sem precedentes (Sala et al., 2000; Ellis et al., 2013). Essas mudanças, comprometem o funcionamento dos sistemas e sua capacidade de produzir benefícios essenciais para a sociedade, repercutindo em perdas inestimáveis da biodiversidade e provocando graves consequências econômicas, sociais e ambientais, (MEA, 2005; Ellis et al., 2013; BPBES, 2019). Ao estudar as formas de inter-relações entre estes dois componentes - a sociedade e a natureza – dois aspectos fundamentais precisam ser analisados: primeiro, como os seres humanos afetam a integridade dos ecossistemas e segundo como os ecossistemas, por sua vez, afetam o bem-estar humano (Martin-Lopes et al., 2012). Buscando a compreensão destas relações entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, pesquisadores passaram a utilizar o conceito Sistemas Socioecológicos (SSEs) (Berkes; Folke, 1998; Anderies et al., 2004; Berkes et al., 2005; Seixas; Berkes, 2005; Ostrom, 2009). São características dos SSEs a não linearidade e incerteza do que pode acontecer, o surgimento de eventos imprevisíveis, diferentes escalas encontradas, são sistemas dinâmicos e complexos, contendo subsistemas, que ao interagirem entre si produzem resultados que os afetam como um todo. Ao mesmo tempo deve ser analisado ou administrado simultaneamente em diferentes escalas (Berkes et al., 2003; Vieira et al., 2005; Glaser et al., 2010; Athayde et al., 2016). Essas interações entre os subsistemas do SSE podem ser descritos como a interação entre: (RU) Unidades de recursos, unidade básica dos recursos mais utilizados pelos atores (os pescados); (RS) Sistemas de recursos, um território específico que contém o recurso natural (por exemplo, o sistema de lagoas onde as populações de peixes são exploradas); Sistemas de governança - por exemplo as organizações governamentais, a qual regem a gestão do ambiente em diferentes escalas (Prefeitura, Unidades de Conservação, ICMBio, IBAMA) e Usuários, os conjuntos de indivíduos que utilizam o sistema e as unidades de recurso para diferentes fins (pescadores, turistas e moradores). 12 Todos esses subsistemas são influenciados pelas configurações sociais, econômicas, políticas e pelos ecossistemas relacionados (Ostrom, 2003) Do ponto de vista ambiental, destacam-se as lagoas costeiras pela sua importância ecológica, vinculadas sobretudo, a sua posição geográfica que lhe confere de forma direta ou indireta uma série de benefícios através da produção de bens e serviços ecossistêmicos, como a manutenção do lençol freático, controle da qualidade da água, estabilidade climática local e regional e pela importância diante de seus usos, como a extração dos recursos naturais, áreas de recreação, etc (Yañez-Arancibia, 1986; Kjerfve, 1994; Esteves et al., 2008; Santos, 2008). Apesar da sua relevância socioambiental, as lagoas costeiras são suscetíveis a intensos e variados impactos socioambientais, provocando mudanças e alterando a dinâmica natural, refletindo assim, na sua capacidade de fornecer bens e serviços dos quais se vale a sociedade, e gerando consequências econômicas, sociais, culturais e ambientais. (Esteves et al., 2008; Crain et al., 2009; Cataudella et al., 2015; Crist et al., 2017). O município de Garopaba, situado na região centro-sul de Santa Catarina, vem lidando com a rápida descaracterização do seu sítio devido a um modelo de ocupação urbana que, na maioria dos casos, não considera sua importância ecológica, assim como também não considera a importância da diversidade social e cultural da população para a manutenção de suas características (Capellesso; Cazella, 2011; Costa, 2014; Cardoso, 2018; Pessoa, 2019). A Lagoa de Garopaba desempenha papel central no equilíbrio socioecológico. O valor deste frágil subsistema é crucial tanto do ponto de vista ecológico quanto cultural, onde a pesca se constitui como um forte elemento na construção das relações socioculturais e econômicas, visto que configura uma atividade geradora de renda para as comunidades tradicionais de pescadores (Diegues et al., 2000). As dinâmicas externas representadas neste caso pela explosão demográfica que sucedem no município nas últimas décadas, vêm influenciando diretamente o modo de vida das populações tradicionais de pescadores artesanais que praticam a atividade na Lagoa de Garopaba (conhecida também como Lagoa da Encantada) (Capellesso; Cazella, 2011; Costa, 2014; Cardoso, 2018). Aliado a isto, A Lagoa de Garopaba, por se tratar de um recurso de uso comum, é necessário compreender que nesses locais, definem-se, em geral, quadros problemáticos do ponto de vista de gestão sustentável, exigindo ações como a mediação dos conflitos que ocorrem por conta de disputas locais entre diferentes atores, tanto pelo uso de um recurso natural específico quanto pela ocupação de um 13 mesmo espaço (Cabral, 2010; Junior; Nunes, 2010; Stephens; Murtagh, 2012; Barragán, 2014; Prestrelo; Monteiro-Neto, 2016). A pesca artesanal por envolver um complexo sistema de interação entre os pescadores pode representar um SSE, pelo fato de os pescadores modificarem a parte ecológica do sistema, assim como a disponibilidade dos recursos modificarem o subsistema social. A pesca envolve também fatores econômicos, visto que, configura uma atividade geradora de renda, os sociais, onde constitui-se um forte elemento na construção das relações socioculturais proporcionando e mantendo dentro das comunidades tradicionais um patrimônio cultural importante adquirido e acumulado através de várias gerações na forma de tecnologias patrimoniais, lendas, festas, culinária, conhecimento tradicional, além de valores e acordos socioculturais (Berkes et al., 2000; Kalikoski, 2002; Berkes, 2017; Bodin, 2017; Albuquerque et al., 2019). Acrescenta-se ainda que os pescadores possuem conhecimento acerca dos recursos (suas variedades, seus ciclos reprodutivos, seus hábitos e habitats) e das formas de manejo apropriadas, delimitam os territórios de pesca e elaboram as regras informais de conduta no que diz respeito às modalidades possíveis de acesso e uso dos recursos pesqueiros (como, quando, onde se pode pescar) (Kalikoski et al., 2006). Isto porque, o convívio diário do pescador com o ambiente em que vivem e trabalham somado à necessidade de exploração, aprimorou sua experiência, capaz de reconhecer com eficiência a distribuição das espécies exploradas, as variações sazonais na abundância, os movimentos migratórios, seus hábitos e habitats, bem como manejar, conservar e utilizar os ambientes naturais de maneira mais sustentável (Machado-Guimarães, 1995; Adomilli, 2002; Doria et al., 2008). Para isso, deve-se priorizar o Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) das comunidades de pescadores artesanais, o qual abrange o conjunto de informações, interesses e valores da relação entre a comunidade local e o meio ambiente de que fazem parte e é transmitido através de gerações (Berkes, 1999). Dentro deste contexto, a presente pesquisa tem como área de estudo a Lagoa de Garopaba, onde se buscou utilizar o CET dos pescadores artesanais para evidenciar aspectos dos sistemas sociais, econômicos, culturais e ecológico e da interação destes entre si. Complementarmente, almejou-se responder as seguintes questões: 14 1) Quais são as práticas e estratégias tradicionais dos pescadores artesanais e seus saberes associados à atividade pesqueira, e sua dimensão biológica na Lagoa de Garopaba? 2) Quais são as principais ameaças à atividade de pesca e à Lagoa de Garopaba e como as mesmas impõem mudanças na estrutura e no funcionamento destes sistemas? 15 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Analisar as dimensões sociais, econômicas, culturais e biológicas da atividade pesqueira da Lagoa de Garopaba, através do conhecimento ecológico dos pescadores, evidenciando as práticas e estratégias utilizadas pelos mesmos, bem como caracterizar as ameaças para a atividade na área de estudo e seus conflitos socioambientais. 2.1.1 Objetivos Específicos • Caracterizar a atividade pesqueira mediante os aspectos sociais, econômicos e culturais dos Pescadores Artesanais que atuam na Lagoa de Garopaba; • Caracterizar as práticas e estratégias dos pescadores Artesanais que atuam na Lagoa de Garopaba; • Identificar e caracterizar as mudanças e ameaças para a atividade pesqueira artesanal na Lagoa de Garopaba sob a ótica dos Pescadores Artesanais; • Identificar e caracterizar os conflitos socioambientais recorrentes na Lagoa de Garopaba sob a ótica dos Pescadores Artesanais. 16 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E TEMÁTICA 3.1 SISTEMA SOCIOECOLÓGICO (SSE) De acordo com Ostrom (2009) os SSEs, são sistemas capazes de reunir os diversos componentes que formam o ambiente, ou seja, o ser humano, elementos naturais e construídos, e as suas inter-relações, que podem ser compreendidas dentro da perspectiva de uma visão sistêmicas de interdependência. Para Ostrom (2003) os SSEs são formados por múltiplos subsistemas e variáveis internas desses mesmos subsistemas. Esta estrutura divide-os em componentes que ao interagirem, produzem resultados que os afetam como um todo e podem ser descritos como a interação entre: • Sistemas de recursos, um território específico que contém o recurso natural (por exemplo, o sistema de lagoas onde as populações de peixes são exploradas); • Unidades de recursos, unidade básica dos recursos mais utilizados pelos atores (os pescados); • Usuários, os conjuntos de indivíduos que utilizam o sistema e as unidades de recurso para diferentes fins (pescadores, turistas e moradores); • Sistemas de governança - por exemplo as organizações e instituições governamentais, a qual regem a gestão do ambiente em diferentes escalas (Prefeitura, Unidades de Conservação, ICMBio, IBAMA). Todos os subsistemas são influenciados pelas configurações sociais, econômicas, políticas e pelos ecossistemas relacionados. Uma etapa em direção à modelagem do SSE é realizada por meio da organização das variáveis em uma estrutura multinível. Tal estrutura permite uma integração entre conhecimento local e a ciência acadêmica. Essa integração permite a construção de diagnósticos que combinam os arranjos de governança com problemas específicos em um contexto socioecológico (Ostrom, 2007). Além disso, os usuários e gestores podem usar essa estrutura para avaliar o efeito e a interação dessas variáveis nos cenários econômico, político e ecológico (Ostrom et al., 2007). No entanto, a natureza complexa do contexto socioambiental onde as variáveis do SSE interagem limita a identificação das condições e tendências do SSE para os gerentes e usuários (Ostrom et al., 2007). 17 Vincular aspectos de planejamento e gestão da conservação - que fazem parte de um processo social - ao enquadramento interdisciplinar do SSE ajuda, portanto, a incorporar de maneira efetiva nas ferramentas de conservação, considerações sociais que influenciam as decisões de conservação, ampliando o contexto predominantemente ecológico para um contexto socioecológico (Delgado, 2019). É importante evidenciar que cada sistema tem suas características próprias. Como resultados, as variáveis que afetam esses dois processos, social e ecológico, diferenciam- se dependendo dos vários sistemas existentes. Além disso, dado que esses sistemas operam em escala global, regional ou de comunidade, é importante sempre levar em consideração o contexto e o local (Madalosso, 1991). No contexto local, o uso do território por cada comunidade é um fator crucial, pois, no caso de muitas comunidades tradicionais, a prática do extrativismo tem suas peculiaridades quanto ao uso e às pressões externas implacáveis. Este uso, frequentemente variado, é outro fator significativo para garantir que a área utilizada por essas comunidades seja reconhecida, levando a um melhor entendimento da realidade dos recursos naturais (Madalosso, 2014). 3.4 ECOSSISTEMAS LAGUNARES As lagoas costeiras possuem importância ecológica vinculada, sobretudo, a sua posição geográfica que lhe confere de forma direta ou indireta uma série de benefícios através da produção de bens e serviços ecossistêmicos (Yañez-Arancibia, 1986; Kjerfve, 1994; Santos, 2008). Exercem influências na cultura local, seja através dos modos de produção, dos costumes, dos saberes e das crenças das comunidades que vivem em seu entorno (Netto, 2018). São ainda, fonte de inspiração para diferentes tipos de expressões artísticas, áreas de recreação, contemplação visual e sonora de cenário, configurando um patrimônio natural e cultural conforme o Art. 225º, da Constituição Federal de 1988 (MMA, 2008). Estão entre os ecossistemas mais produtivo, ocupando em torno de 15% das áreas costeiras ao redor do mundo (Kjerfve, 1994). Apesar de possuírem uma importância socioecológica, estas, estão seriamente ameaçadas por diferentes modos de uso e apropriação. O crescimento urbano e populacional, turismo sem planejamento, falta de saneamento ambiental, depreciação dos recursos naturais, políticas públicas pouco efetivas, pode ser responsável por causar 18 efeitos negativos, devido a intensidade de usos sobre os ecossistemas, assim como a disputa por espaços e por recursos naturais com diferentes interesses, gerando destruição ou perda aos ecossistemas (Cataudella et al., 2015). Aliado a isso, ações como o lançamento de efluentes domésticos e/ou industriais, aterro e construção das margens, aceleração do assoreamento da bacia, dragagens para retirada de areia, introdução de espécies de peixes exóticos, dentre outras ações, provocam o desgaste e o desequilibro ecológico de tais ambientes, em diferentes frequências e durações, muitas vezes de forma irreversível e sempre acompanhado de problemas socioeconômicos (Barroso et al, 2000; Leal, 2002; Seixas; Berkes, 2003). Segundo Esteves (1998), as lagoas costeiras são ecossistemas presentes em todos os continentes sendo áreas de acentuada importância para as populações humanas em função dos recursos alimentares, através da pesca e por apresentarem excelentes áreas de lazer. Para Kjerfve (1994), são corpos de água rasos, normalmente orientados paralelos à linha da costa, separadas do oceano por uma barreira natural ou conectadas a este por um ou mais canais que permanecem abertos, pelo menos intermitentemente. Naturalmente, a conectividade entre as lagoas com barra de abertura intermitente (denominadas ICOLLs, do inglês Intermittently Closed/Open Lakes and Lagoons ou Temporarily Open/Closed Estuaries - TOCEs), é determinada pelas variações sazonais e fluxo de água entre o ambiente marinho e estuarino (precipitação, ventos e ação das ondas e marés) (Esteves et al., 2008; Sbruzzi, 2015). Por vezes esse rompimento ocorre de forma artificial quando provocados pelo homem, com o objetivo de promover a entrada de espécies marinhas (Aguiaro; Caramaschi, 1995; Esteves, 1998; Oliveira; Becker, 2006). Esse fenômeno é denominado de abertura artificial de barra. Além da entrada de espécies marinhas, a abertura artificial acontece para minimizar os alagamentos em épocas de cheia de residências construídas próximas ou mesmo dentro da área naturalmente alagável ou para melhorar a qualidade das águas quando estas se encontram poluídas por lançamento de efluentes domésticos ou industriais (Oliveira; Krau, 1955; Aguiaro; Caramaschi, 1995; Suzuki, 1997; Esteves, 1998; Junior; Nunes, 2010; Santos et al., 2015; Netto, 2018). 3.5. POVOS TRADICIONAIS E PESCADORES ARTESANAIS 19 Diegues (1998) tratando por comunidades ou populações tradicionais, explica que são grupos sociais que estão intimamente ligados com os recursos naturais e possuem organização econômica e social com reduzida acumulação de capital. Berkes et al. (2003) explica que tais comunidades são detentoras de conhecimentos, crenças e técnicas acumulados sobre o seu habitat e os recursos bióticos e abióticos com os quais interagem, os quais evoluem através dos processos adaptativos, sendo transmitidos de geração a geração e perdurando até hoje num processo cumulativo e dinâmico. O decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. trazendo a seguinte definição para estes grupos: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. (BRASIL, 2007). Esta Política define ainda que: “Territórios Tradicionais são espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária”. (BRASIL, 2007). 20 Giddens (2000) nos esclarece que a tradição está mais relacionada com o ritual e repetição, do que com o tempo de sua existência. Estão sempre surgindo novas tradições e elas “evoluem ao longo do tempo”, podendo ser transformadas, alteradas, “inventadas e reinventadas”, sem deixarem de ser uma tradição (ou a mesma tradição). Dentre estas populações tradicionais encontram-se as que possuem os espaços de pesca como seu território, sendo reconhecidas como pescadores artesanais. Essas populações têm como característica o comercio de pequena escala, trabalho autônomo, com força de trabalho familiar ou vizinhos e com a produção destinada ao próprio consumo e mercado local (Diegues, 1988; Diegues et al., 2000). A lei que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca (Lei Nº 11.959, de 29/06/2009), define pesca artesanal como sendo: “atividade praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, podendo utilizar embarcações de pequeno porte”. Para os efeitos desta Lei, consideram-se parte da atividade pesqueira artesanal, os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal” (Brasil, 2009). A pesca envolve, além de fatores econômicos, os sociais, visto que, configura uma atividade geradora de renda, onde se constitui em um forte elemento na construção das relações socioculturais proporcionando e mantendo dentro das comunidades tradicionais um patrimônio cultural importante adquirido e acumulado através de várias gerações na forma de tecnologias patrimoniais, lendas, festas, culinária, conhecimento ecológico tradicional, além de valores e acordos socioculturais (Diegues et al., 2000; Saldanha, 2005). 21 3.6 CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL (CET) Segundo Berkes (1999) o CET constitui-se como um importante aspecto da cultura e organização das populações locais e tradicionais, tendo entre os propósitos, compreender o conhecimento e percepções sobre os ecossistemas e a biodiversidade, e da mesma forma, enfatizar o papel social, econômico, ecológico e cultural das comunidades nos ecossistemas. Ainda, segundo Berkes (1999, p. 8), refere-se a “um conjunto cumulativo de saberes, crenças e práticas gerado por populações tradicionais – indígenas, pescadores, quilombolas, agricultores, seringueiros - no bojo de processos adaptativos e transmitido de geração a geração, sobre as relações dos seres vivos (inclusive humanos) entre si e com o seu meio ambiente”. Acrescenta-se a este campo, a pesca artesanal, por envolver um complexo sistema de interação entre os pescadores com o ambiente, representando SSE. Os pescadores artesanais possuem conhecimento acerca dos recursos (suas variedades, seus ciclos reprodutivos, seus hábitos e habitats) e das formas de manejo apropriadas (Begossi et al., 2012). Este conhecimento é transmitido através de experiências do cotidiano e através do relacionamento entre os membros das comunidades (Ramirez et al., 2007), em função do tempo de experiência e da posição do pescador no sistema de pesca (Holms, 2003). Delimitam os territórios de pesca e elaboram as regras informais de conduta no que diz respeito às modalidades possíveis de acesso e uso dos recursos pesqueiros (como, quando, onde se pode pescar) (Kalikoski et al., 2006). No Brasil, entre os trabalhos com o enfoque no conhecimento dos pescadores em lagoas costeiras, destacam-se os realizados por Marques (1991) um dos pioneiros a estudar o conhecimento ecológico de pescadores no Brasil, no complexo estuarino Mundaú-Manguaba (AL). Berkes e Seixas (2005) na Lagoa de Ibiraquera (SC) para apresentar quais fatores influenciam a construção da resiliência socioecológica local, dentre eles a manutenção do conhecimento dos pescadores. O estudo de Kalikoski et al. (2006) apresentando a importância de utilizar o conhecimento ecológico na gestão da pesca na Lagoa dos Patos (RS) e o estudo de Pieve et al. (2009) na Lagoa Mirim (RS), caracterizando o conhecimento de pescadores e o processo adaptativo pelo qual as comunidades passaram frente às mudanças socioambientais incididas. 22 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 ÁREA DE ESTUDO 4.1.1 Garopaba/SC Garopaba, município localizado no litoral Centro-Sul de Santa Catarina, a uma latitude de 27°58’15” e longitude de 48°39’36”, distante há aproximadamente 70 km ao sul de Florianópolis, capital do estado catarinense (Horn Filho; Norberto, 2003) (Figura 1). Possui população estimada no ano de 2021 de 24.070 habitantes e uma extensão territorial de 114,773 km² (IBGE, 2022). Figura 1 – Localização do Município de Garopaba/SC. Fonte: Própria autora (2023). 23 O primeiro povoamento de Garopaba ocorreu no ano de 1666 por imigrantes açorianos que marcaram de modo particular o ambiente habitado até então unicamente por índios Carijós, pertencentes ao denominado grupo indígena Guarani (Munari, 2017). O processo de adaptação ao novo ambiente e o esforço de assimilação de novas realidades geraram, como não podia deixar de ser, uma nova cultura de miscigenação (Munari, 2017). A produção de farinha e de outros produtos derivados da cana-de-açúcar são exemplos do modo de vida dos primeiros colonizadores, associado à influência da presença indígena (Munari, 2017). A partir de 1793 com a fundação da Armação Baleeira, dedicaram-se à captura da baleia e a comercialização de seu óleo e barbatanas (Comerlato, 2011; Munari, 2017). Em 1877 foi criada a primeira vila e em dezembro de 1961 Garopaba tornou-se município (Munari, 2017) (Figura 2). Figura 2 - Município de Garopaba na década de 70. Fonte: Garopaba SC Notícias, 2020. No final da década de 1970, a cidade viu sua explosão demográfica principalmente pela construção da rodovia BR-101. O principal atrativo de crescimento foi a qualidade de suas praias, que impulsionou o desenvolvimento do turismo na região (Munari, 2017). 24 Com o aumento do turismo e sua estabilidade, a especulação imobiliária aumentou, seguida de um processo de ocupação irregular e de crescimento desordenado fazendo com que a população mais que dobrasse, alterando profundamente a paisagem do município, em seus aspectos físicos, urbanos, identitários e de organização social e econômica (Munari, 2017). De pequena cidade dedicada à pesca artesanal, à agricultura e ao extrativismo da madeira, Garopaba transformou-se em uma importante cidade turística. Sua malha urbana passou a se expandir, avançando sobre áreas até então ocupadas por pastagens e cobertura florestal (Cerdan et al., 2011; Jacomel, 2012; Pessoa, 2019). Segundo Filardi (2007), a Praia da ferrugem disposta no sentido NE-SSW, tem extensão de cerca de 1.100 m, os setores norte e central apresentam características de praia intermediária, no setor sul a praia apresenta características refletiva predominando a ação erosiva das ondas com correntes de retorno praticamente permanentes, os sedimentos são médios a grossas e o sedimento é fofo. A praia da Barra estende-se no sentido NNNE-SSSW, com cerca de 1.000 m de comprimento, possui características de praia intermediaria, no setor norte a altura da arrebentação é maior, a ação erosiva é bastante acentuada na barra. Ambas as praias são expostas a ondulações do quadrante E-S. Entre estas duas praias encontra-se o Ilhote da Barra (Morro do Índio), a largura média dessa zona de transição entre as duas praias é cerca de 170 m. Além do promontório rochoso, neste local está a Barra da Lagoa de Garopaba que tanto pode desembocar no sul da ferrugem, quanto no norte da Barra (Figura 3). Por suas características estas praias não são favoráveis à pesca com embarcações devido as correntes e arrebentação, exceto na época da safra da tainha, que na Praia da Ferrugem possui um grupo de pescadores artesanais que cercam os cardumes com canoa de cerco (os quais pescam também na lagoa). Ainda, os costões ao norte e ao sul do Morro do Índio são considerados pontos excelentes para a pesca, havendo também as pescarias de beira de praia e da lagoa. Estes locais são considerados áreas de extrema fragilidade (Holzer; Crichyno; Pires, 2004) e vêm sofrendo com as intempéries provocadas por atividades humanas (Leite; Andrade, 2004; Souza, 2015; Bittencourt, 2017; Rocha, 2018). 25 Figura 3 - Localização da Praia da Ferrugem, Praia da Barra e Barra da Lagoa. Fonte: Eduardo Lorensi, 2020. 4.1.2 Lagoa de Garopaba A Lagoa de Garopaba (Figura 4), é configurada como intermitente. Possui uma lâmina da água de aproximadamente 5,15 km² e profundidade média inferior a 2 m, correspondendo a 5% da área total do munícipio (Leal, 2005). Sua porção sudoeste e a barra estão inseridas dentro do território da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca - APABF (Netto, 2018). Pertence a região Hidrográfica do Litoral Centro (RH8) e situa- se entre as bacias hidrográficas do rio D´Una, em Imaruí e do rio da Madre, em Palhoça, formando uma bacia contígua com sistemas de drenagem independente (PERH/SC, 2017). Os principais contribuintes da lagoa são os rios Garopaba, do Cano, Palhocinha, Linhares e Saco das Lontras. Praia da Ferrugem Praia da Barra Barra da Lagoa 26 Figura 4 - Lagoa de Garopaba. Fonte: Eduardo Lorensi, 2019. A Lagoa de Garopaba possui uma rica tradição na pesca artesanal e os pescadores dedicam boa parte de suas vidas à pesca (Capellesso; Cazella, 2011). Esses pescadores artesanais que hoje praticam a atividade pesqueira na Lagoa de Garopaba (Figura 5), fundamentam suas práticas em um vasto conhecimento empírico, adquirido e acumulado através de várias gerações, sendo que a intuição, a percepção e a vivência são parte de seu conhecimento tradicional que consolida a prática da pesca (Saldanha, 2005). Serviços que vão construindo identidades culturais, senso de lugar e patrimônio cultural. 27 Figura 5 - Pescadores na Lagoa de Garopaba. Fonte: Waves, 2017. No passado, a lagoa ficou conhecida regionalmente pela abundância de camarões (Capellesso; Cazella, 2011). Embora tenha sido a principal espécie geradora de renda para os pescadores artesanais, o excesso de esforço de captura (sobrepesca) e problemas ambientais (ex.: poluição) afetaram a estabilidade desse recurso, gerando oscilações na produção e reduzindo sua importância econômica. Devido à instabilidade desses recursos, intensificou a pesca de siris e peixes como a savelha e a tainhota (juvenil da tainha), que em sua expressiva maioria são para consumo próprio e eventual comercialização (Capellesso; Cazella, 2011). A lagoa também vem sofrendo com os impactos socioambientais causado pela ocupação urbana desordenada no município, que na maioria dos casos não considera a manutenção da biodiversidade do ecossistema em questão, do lençol freático e da originalidade das áreas costeiras, descaracterizando o seu local (Munari, 2017). Dentre os impactos descritos, pode-se citar como exemplo a degradação paisagística das áreas 28 adjacente a lagoa, o lançamento de esgotos domésticos (tratados ou não), introdução de espécies de peixes exóticos, como a tilápia e a abertura artificial da barra, além dos impactos socioeconômicos e socioculturais (Capellesso; Cazella, 2011; Pessoa, 2019; Malise, 2020). As mudanças relacionadas à intensificação de usos sobre este ecossistema, assim como a disputa por espaços e pelos recursos naturais com diferentes interesses que acontecem neste território geram conflitos entre os pescadores e usuários, como exemplos dos conflitos com o setor imobiliário referentes a ocupação de áreas próximas ao canal da Lagoa de Garopaba (prejudicando a entrada dos peixes, devido as luzes e pelo barulho), ou entre os pescadores devido ao excesso de captura dos pescados (sobrepesca). Somando-se a esses problemas e conflitos, temos à problemática em razão da abertura artificial da barra (Capellesso; Cazella, 2011). A barra, quando aberta artificialmente, está associada a pesca ou à necessidade de proteger as casas localizadas nas margens, reduzindo o nível da água e evitando a elevação do lençol freático (Filardi, 2007; Capellesso; Cazella, 2011, Pessoa, 2019). Naturalmente, ao longo da história, a barra da Lagoa de Garopaba costuma abrir no mês de dezembro, época em que as chuvas provocam o rompimento (Rosar, 2007). Depois, volta a fechar naturalmente nos meses de janeiro e fevereiro enchendo a lagoa e, no mês de maio, a barra volta a abrir com as chuvas de inverno ou é aberta artificialmente para garantir a entrada dos cardumes de tainha na lagoa (Rosar, 2007). Em agosto e setembro a maré forte (trazendo consigo para dentro da lagoa as larvas de camarão e outros peixes) faz com que ela volte a fechar naturalmente (Rosar, 2007). Nas ocasiões da pesca da tainha, quem decidia o momento de abrir a barra eram pescadores experientes, conhecedores dos ciclos naturais e sinais da natureza, que esperavam um melhor momento para a entrada de pescados na lagoa (Rosar, 2007). Atualmente, a abertura é realizada com uma escavadeira da prefeitura de Garopaba, considerando, na maioria das vezes, proteger as casas localizadas nas margens, a redução do nível da água, evitando a elevação do lençol freático e a eutrofização da água devido ao efluente despejado na mesma (Filardi, 2007; Capellesso; Cazella, 2011, Pessoa, 2019). Assim, por vezes, essa não é aberta no melhor momento para a entrada de água salgada e pescarias vindas do oceano (Capellesso; Cazella, 2011). 29 4.2 COLETA DOS DADOS Para obter os dados necessários para traçar um perfil da população de pescadores da Lagoa de Garopaba e caracterizar a pesca artesanal desta lagoa, foram aplicadas entrevistas com 32 Pescadores Artesanais Tradicionais residentes nas comunidades do Capão, Palhocinha, Encantada e Barra, as quais pertencem ao município de Garopaba/SC (Figura 6). A escolha foi feita levando-se em consideração que estas comunidades estão situadas no entorno da lagoa. As entrevistas se deram presencialmente nas residências dos entrevistados, entre os meses de janeiro a setembro de 2023. Na comunidade do Capão, foram entrevistados 11 pescadores, na comunidade da Palhocinha foram 7 entrevistados, na Encantada 11 entrevistados e na comunidade da Barra 3 pescadores entrevistados. Figura 6 - Áreas de estudo. Fonte: Própria autora (2023). 30 A coleta dos dados, consistiu na realização de entrevistas por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado contendo perguntas fechadas e abertas (Anexo 01). As questões fechadas foram utilizadas para o levantamento dos dados socioeconômicos dos pescadores (gênero, idade, escolaridade, atividade, renda mensal, renda proveniente do pescado e finalidade da pesca - venda ou consumo) e dados socioambientais da atividade pesqueira (gerações na pesca, frequência na pesca na lagoa e interações sociais). As questões abertas, foram utilizadas para analisar o CET dos pescadores artesanais da Lagoa de Garopaba com relação ao SSE da lagoa, incluindo as práticas de manejo utilizadas por eles, as regras adotadas na gestão dos recursos, estratégias de pesca, abundância e diversidade de pescados presentes, como os pescadores se relacionam com os atores sociais do sistema, as mudanças e ameaças ao sistema da lagoa e os conflitos socioambientais. O primeiro contanto foi feito com o Presidente da Associação da Encantada e, a partir deste, identificamos novos informantes-chave, baseada na técnica de amostragem snowbal sampling (Biernacki; Waldorf, 1981), conhecida como “método bola-de-neve”, que permitiu identificar os atores com maior relevância para o estudo de acordo com critérios pré-estabelecidos (Huntington, 2000), sendo eles: • Ser Pescador Artesanal Tradicional; • Ser residentes em uma das comunidades escolhidas para este estudo. Para esta pesquisa, o valor da amostra foi considerado suficiente quando as respostas passaram a repetir-se nas entrevistas. Inicialmente, os pescadores foram indagados se aceitavam participar da entrevista. Em caso positivo, as especificidades e os objetivos foram a eles apresentados, os quais foram convidados a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o termo de consentimento para fotografias, vídeos e gravações (Anexo 2 e 3), para regulamentar e proteger os sujeitos envolvidos na pesquisa, documento solicitado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho de Saúde do Brasil (Resolução Lei 466/2012), a qual foi aprovado sob o número CAAE: 64525022.3.0000.0118. Após gravadas, as entrevistas foram transcritas literalmente e com autenticidade por considerar que as figuras de linguagem e expressões gramaticais utilizadas pelos 31 entrevistados fazem parte de suas manifestações culturais individuais e podem ser interpretadas de maneiras diferentes. 4.3 ANÁLISES DOS DADOS Os questionários continham perguntas associadas à distintos seguintes aspectos da atividade pesqueira na Lagoa de Garopaba (Apêndice 1). Inicialmente, as entrevistas foram transcritas a partir de uma análise de conteúdo, para a elaboração de uma matriz de dados. As variáveis que compõem cada um dos aspectos da atividade pesqueira foram confrontadas com covariáveis (i.e fatores), de modo realizar análises cruzadas, sob perspectivas quali e quantitativas. Para as análises qualitativas dos dados, foi adotado a metodologia de triangulação e comparação das informações obtidas (Seixas, 2005). Esta técnica consistiu em verificar os tópicos que se repetem nas diferentes entrevistas, identificando os principais temas relacionados. Desta maneira, elaborou-se gráficos e tabelas, os evidenciaram os padrões socioecológicos, culturais, biológicos e as ameaças associadas a atividade de pesca. Complementarmente, a estatística descritiva foi utilizada para as análises quantitativas. Estimou-se as medidas de tendência central, como a média, e as medidas de dispersão, como o desvio padrão, bem como os valores de máximo e mínimo e distribuição de frequência das variáveis estudadas. . 32 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 CARACTERIZAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS PESCADORES ARTESANAIS DA LAGOA DE GAROPABA 5.1.1 Os pescadores artesanais que atuam na Lagoa de Garopaba e suas características socioeconômicas Os dados encontrados sobre gênero na pesca artesanal da Lagoa de Garopaba, não são diferentes dos encontrados em outras comunidades pesqueiras do país (Maneschy, 2000; Lima, 2003; Garcez; Sànchez-Botero, 2005; Porcher et al., 2010). Em nosso estudo constatamos que a pesca na Lagoa de Garopaba é predominantemente realizada através da figura masculina, visto que em nosso estudo 94% (N=30) dos entrevistados se autodeclararam do gênero masculino e 6% (N=2) representaram o gênero feminino. Historicamente, a atividade pesqueira tem sido categorizada como predominantemente masculino, negligenciando o trabalho desenvolvido por mulheres que estão atreladas ao marido pescador e ao âmbito familiar. Assim, a participação das mulheres, por se dar, em muitos casos, restrita ao âmbito familiar, acarretando invisibilidade das mulheres enquanto atores sociais importantes para a manutenção dessa atividade (Maneschy, 2000). Algumas vezes, as próprias mulheres não reconhecem seu trabalho, considerando-o apenas como ajuda (Figueredo, 2014). No entanto o real papel da mulher na pesca vai muito além dos serviços auxiliares aos homens da casa. Elas possuem significativa importância na dinâmica da unidade de produção, interferindo diretamente nas diferentes esferas de atuação, produtiva e reprodutiva (Figueredo, 2014). A questão da invisibilidade feminina está presente também na Lagoa de Garopaba. Inúmeros fatores fazem com que as mulheres sejam colocadas em segundo plano pela sociedade brasileira. Em nosso estudo, mesmo sentindo-se pertencentes ao local, as pescadoras entrevistadas expressaram a sua invisibilidade e impotência quanto a promover melhorias ao grupo. 33 “Eu tenho uma carteira de pescadora, e o que você faz com ela, não faz nada porque a lagoa não produz [...] se a gente for pegar essa causa eles vão rir da gente até porque a gente precisaria de um pouco mais de estudo, só que a gente não tem, minha função é outra, só nós duas não dá [...] Ai se mete duas mulheres, eu realmente vou dizer, eu nunca passei uma noite inteira na lagoa, e talvez eu nem consiga passar a noite toda, mas a gente nasceu ai, cresceu ali, se alimentou, se alimenta dali”. (Entrevistada 16). Outro aspecto importante observado em nosso estudo foi a falta de jovens atuando ativamente na pesca e absorvendo as tradições, que poderão perder-se com o desaparecimento das antigas gerações. A idade média entre os entrevistados ficou em 56 anos (± 10,2), sendo a mínima 39 anos e a máxima 86 anos. O tempo de exercício na pesca dos entrevistados, variou de 8 a 81 anos (Média 46 ± 13). Somente um entrevistado mencionou atuar na atividade há apenas a oito anos, os demais (N=31), já estão a mais de trinta. Os dados obtidos pelo nosso trabalho mostraram que os pescadores da Lagoa de Garopaba possuem baixa escolaridade e ocupam serviços com baixa remuneração. A escolaridade entre os entrevistados esteve mais representada pelo grupo de pescadores que possuem ensino fundamental incompleto (N=26, 81%), seguida de pescadores que possuem ensino fundamental completo (N=3, 9%), ensino médio completo (N=2, 6%) e que possui o ensino médio incompleto (N=1, 3%). No que se refere a atividade profissional, 56% (n=18) dos entrevistados mencionaram realizar outra atividade paralela à pesca, 25% (N=8) são aposentados pela pesca, 9% (N=3) são pensionistas, 6% (N=2) trabalham em casa e 3% (N=1) dos entrevistados relataram que trabalham somente com a pesca. Como atividade paralela à pesca os entrevistados mencionaram construção (N=11), agricultura (N=2), jardineiro (N=2), aluguel de casas (N=1), vigilante (N=1), motorista (N=1). Somente dois dos entrevistados mencionaram que, além da aposentadoria para um deles e o trabalho extra para outro, estes ainda somam as suas rendas o aluguel de casas. Capellezo e Cazzela (2011) já observaram que embora a atividade pesqueira artesanal tradicional em Garopaba mantivesse características de trabalho autônomo, muito valorizada em seus discursos, os pescadores naquela época já entendiam que a pesca não estava mais oferecendo retorno econômico para garantir a reprodução social de uma família. O abandono ocorreu, primeiramente com os filhos que passaram a atuar em outras atividades econômicas. Ainda, Capellezo e Cazzela (2011) evidenciaram o fato de 34 que os pescadores por possuírem pouco estudo, ocupavam postos de baixa remuneração nos demais ramos da economia, buscando trabalhos “extra” nos períodos de baixa produção pesqueira e retornando às capturas quando em períodos de safra de peixes e/ou camarões. Em nosso estudo a renda dos pescadores entrevistados variou de menor que 1 salário-mínimo a 4 salários-mínimos. Nove (28%) recebem 1 salário-mínimo, sete (22%) recebem entre 1 e 2 salários-mínimos, seis (19%) recebem de 2 a 3 salários-mínimos, cinco (16%) ganham 2 salários-mínimos, dois (6%) recebem de 3 a 4 salários-mínimos, dois (6%) dos entrevistados não declararam sua renda e um (3%) entrevistado relatou que a renda mensal não chega a 1 salário-mínimo. Segundo panorama geral de trabalho e renda do IBGE, em 2020, 28,9% dos domicílios garopabenses possuíam rendimentos mensais de até meio salário-mínimo por pessoa, e o salário médio mensal era de 2,1 salários-mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 30,1% (IBGE, 2022). Conforme vimos em nossos resultados, o maior número (69%) de entrevistados possuem renda mensal individual menor que a renda registrada no IBGE de 2020 para Garopaba, que apontou para 2,1 salários-mínimos mensais. No que se refere a renda mensal proveniente da pesca, está não ficou bem clara pois as informações fornecidas não foram suficientes para se criar um perfil neste sentido. Os entrevistados declararam não saber ao certo o quanto ganham, já que para eles a atividade pesqueira vai depender das condições climáticas, período da safra, período do ano ou quantidade de pescado. Porém, nossas análises permitiram observar que, para 34% (N=11) dos entrevistados a pesca não contribui de forma direta, pois o pescado é somente para consumo ou divisão com parentes e amigos. Para 28% (N=9) dos entrevistados que declararam possuir renda mensal proveniente da pesca, variou de 100 a 2000 reais. Para 38% (N=12) dos entrevistados a venda somente na safra da tainha ou camarão variou de 100 a 1300 reais. Também, em nosso estudo, parte dos entrevistados (N= 14, 44%) tem a renda incrementada pelo seguro defeso para a pesca da anchova não havendo ligação com o SSE estudado. Ainda, podemos observar um número reduzido de pescadores que se dedicam exclusivamente a pesca. Somente um pescador declarou ter sua renda provinda exclusivamente desta atividade, os demais pescadores entrevistados trabalham em 35 serviços extra pesca para contribuir significativamente com a renda familiar. Eles relatam que a atividade, atualmente, não é mais tão rentável quanto em épocas passadas. Porém, considerando-se também os pescadores aposentados, mas que continuam pescando, e aqueles que trabalham em outras atividades, estes ainda obtêm parte de sua renda da pesca. Com respeito à finalidade do pescado, 100% dos entrevistados declararam consumir. Porém, mesmo que todos os entrevistados tenham mencionado o consumo, para efeito deste estudo, os resultados foram subdivididos em: somente consumo (N=7, 22%), consumo e dividem com familiares e/ou vizinhos (N=4, 13%), consomem, dividem e vendem para comunidade e/ou amigos (N=12, 38%), consomem e vendem (N=9, 28%). Visto que os pescadores extraem os recursos essencialmente para o próprio consumo, a comercialização adquire caráter secundário. Percebeu-se também que o pescado consumido não é considerado como renda quando calculam o total obtido pela pesca, apesar de terem a percepção de não precisar comprar a fonte proteica. 5.1.2 Os pescadores artesanais que atuam na região da Lagoa de Garopaba Através dos dados obtidos podemos observar que tradicionalmente, a pesca artesanal tem sido desenvolvida na Lagoa de Garopaba por meio de gerações anteriores. Para 38% (N=12) dos entrevistados, a tradição que lhes foram passadas iniciaram por meio de seus avôs, para 53% (N=17) iniciaram através de seus pais e para 9% (N=3) iniciaram através de seus tios. Segundo os entrevistados, em média, com 5 anos estes já acompanhavam seus avôs ou pais nas pescarias. “Desde pequeno, eu não tarrafeava, mas já ajudava a remar pro pai tarrafear” (Entrevistado 3). “Desde pequeno já estava lá tarrafeando com pai, com meu avô, pegando um peixinho” (Entrevistado 23). “Desde quando eu comecei a entender de aparelho de pesca com meu pai, eu comecei a pescar” (Entrevistado 28). 36 Como descendentes na atividade, 19% (N=6) dos entrevistados citaram ter seus filhos na pesca e a presença da esposa atuando de forma indireta foi citado por 28% (N=9) dos entrevistados. Quanto a frequência de utilização da lagoa para a atividade pesqueira, 44% (N=14) dos entrevistados declararam que pescam semanalmente (de dois a cinco dias por semana), 22% (N=7) por estarem em uma idade avançada ou por motivos de saúde não estão indo para a lagoa há no mínimo um ano, 16% (N=5) pescam diariamente, 9% (N=3) em alguns períodos do ano, 6% (N=2) raramente e 3% (N=1) pescam mensalmente. Para os entrevistados, a frequência da pesca na lagoa depende da disponibilidade do pescado, a qual determina o tempo que estes ficam na atividade. Em nosso estudo também conseguimos observar que a frequência em que os pescadores praticam a atividade pesqueira na lagoa também esteve relacionada com as condições climáticas, safras, estações e atividades extra pesca. As condições do tempo têm um papel significativo na pesca e, sobretudo, na pesca artesanal, pois essa influência pode impedir a sua realização. A presença de vento ou chuva na pesca são duas variáveis climáticas que afetam a atividade pesqueira, sendo categorizadas pelos pescadores com base nesses fatores, como favorável ou não (Burda; Schiavetti, 2008). A atividade pesqueira na Lagoa de Garopaba é desempenhada individualmente ou em dupla quando dentro da lagoa e com amigos/familiares, quando na pesca da tainha na barra da lagoa. 44% (N=14) sempre estão acompanhados de familiares ou amigos, 28% (N=9) dos entrevistados costumam pescar exclusivamente sozinhos e 28% (N=9) quando não sozinhos, estão acompanhados de familiares ou amigos. Percebemos em nosso estudo que os pescadores geralmente não se encontram formalmente, ou seja, não existe um fórum oficial de discussão onde os assuntos relacionados ao grupo são colocados em pauta. Esses assuntos geralmente são discutidos entre 2 ou 3 líderes que decidem pelo grupo. Não há evidências de esforços robustos por parte da maioria do grupo referente à sua participação na sociedade. Foi externada a preferência por permanecerem fora das tomadas de decisões embora as critiquem e por vezes as rejeitem. Dentre os entrevistados, 63% (n=20) mencionaram não participar, 25% (N=8) disseram participar e 13% (N=4) entrevistados mencionaram participar algumas vezes. 37 Ao renunciarem ao direito/dever de participar ativamente nas decisões da sociedade, o pescador está perdendo este rico momento de transferência e restituição de poder. A maior representatividade, engajamento e união entre eles poderá fazer com que estes tenham maior facilidade de acesso aos programas que os favorecem em suas múltiplas necessidades. Ainda, a ausência de uma liderança comunitária ou de pessoas que consigam articular os interesses entre os pescadores e com outras instituições, acaba permitindo que os anseios da comunidade não sejam bem atendidos. Mesmo estes não se encontrando formalmente, 28 pescadores entrevistados mencionaram que no momento que estão se preparando para a chegada da tainha, estão presentes na barra participando, conversando e interagindo. 5.1.3 Principais espécies de pescado capturados na Lagoa de Garopaba As principais espécies capturadas na lagoa mencionadas pelos entrevistados em ordem de frequência citadas foram: tainha e tainhota (Mugil liza) (33%), camarões (16%), carapeva (Diapterus sp.) (15%), carapicu (Eucinostomus sp.) (12%), robalo (Centropomus sp.) (9%), cará (Geophagus brasiliensis) (6%), traíra (Hoplias malabaricus) (5%), parati e tainhota da cara amarela (Mugil curema) (4%), linguado (ordem Pleuronectiformes) (3%), siri (3%), bagre (Genidens sp.) (2%), peixe rei (Atherinella brasiliensis) (1%), caranha (Lutjanus cyanopterus) (1%), xerelete (Caranx sp.) (1%), corvina (Micropogonias furnieri) (1%) e Peixe agulha (Strongylura marina) (1%) (Tabela 1). Tabela 1 - Lista de ocorrência das espécies de pescados mencionadas pelos pescadores artesanais da Lagoa de Garopaba. Família Gênero Nome científico Nome popular N % Penaeidae Farfantepenaeus F. brasiliensis Camarão pata azul* 22 13% Provavelmente Pleoticus mueller Camarão vermelhinho** 6 3% Portunidae Callinectes C. sp. Siri*** 6 3% 38 Mugilidae Mugil M. liza Tainha* 27 16% M. liza Tainhota* 26 15% M. curema Parati* 4 2% M. curema Tainhota da cara amarela* 3 2% Atherinopsidae Atherinella A. brasiiensis Peixe rei* 2 1% Gerreidae Eucinostomus Provavelmente Eucinostomus melanopterus Carapicu* 20 12% Diapterus Provavelmente Diapterus rhombeus Carapeva* 26 15% Cichlidae Geophagus G. brasiliensis Cará* 11 6% Centropomidae Centropomus Provavelmente Centropomus parallelus Robalo* 16 9% Lutjanidae Lutjanus L. cyanopterus Caranha* 2 1% Carangidae Caranx C. sp Xerelete*** 2 1% Sciaenidae Micropogonias M. furnieri Corvina* 2 1% Belonidae Strongylura S. marina Peixe agulha* 2 1% Ariidae Genidens G. sp. Bagre*** 4 2% ---- ---- ---- Linguado*** 6 3% Erythrinidae Hoplias H. malabaricus Traíra* 8 5% Número de citações (N), Frequência de citações (%) * Malise (2020). **. Seixas (2002). *** Espécies citadas durante as entrevistas sem a possível identificação de nomenclatura cientifica em relação a uma classificação pré-existente, pois há mais de uma espécie dentro dos gêneros Algumas das espécies relatadas pelos entrevistados foram registradas na Lagoa de Garopaba por Malise (2020), seguindo então o padrão da riqueza ictiofaunística citadas pelos entrevistados. 39 Os entrevistados mencionaram pelo menos 14 tipos de peixes marinhos ocorrentes na Lagoa, sendo que os mais capturados são as tainhas e a carapevas. Para as comunidades pesqueiras artesanais de Santa Catarina a tainha é a principal espécie para consumo, sendo de grande importância cultural (Lima; Velasco, 2012; Bannwart, 2013). A pesca da tainha é uma atividade sazonal que integra a cultura local com a função socioeconômica no litoral centro-sul brasileiro (Fernandes, 2019). Durante o outono e inverno ela aparece na costa catarinense para dar início a desova reprodutiva. A partir desse momento a temporada da safra inicia, momento este onde os pescadores artesanais se preparam para a captura desta espécie (Bannwart, 2013; Fernandes, 2019). Em vista disso, nossos resultados estão associados a importante e tradicional pesca desta espécie que ocorre em nossa costa, uma vez que grande parte dos entrevistados citaram com maior frequência desta espécie. Para eles além da importância tradicional durante o período da safra, onde há mais concentração de pescadores tanto na lagoa, quanto no tapume1 ou barra, tem também as tainhas que ficaram presas na lagoa devido ao fechamento de sua barra, estas desovam, os ovos e larvas se desenvolvem, sendo pescadas durante o ano todo, expressando ainda mais a importância desta espécie para os entrevistados. Peixes de água doce também estão presentes, há pelo menos dois tipos (o cará e a traíra) que naturalmente ocorrem e a tilápia (N=10) uma espécie exótica invasora. De acordo com as definições adotadas pela Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica (CDB, 1992) na 6ª Conferência das Partes (CDB COP-6, Decisão VI/23, 2002), uma espécie é considerada exótica (ou introduzida) quando situada em um local diferente do de sua distribuição natural por causa de introdução mediada por ações humanas. Se a espécie introduzida consegue se reproduzir e gerar descendentes férteis, com alta probabilidade de sobreviver no novo hábitat, ela é considerada estabelecida. Caso a espécie estabelecida expanda sua distribuição no novo hábitat, ameaçando a biodiversidade nativa, ela passa a ser considerada uma espécie exótica invasora (Leão et al., 2011). Devido ao longo tempo de investimento em pesquisa de seleção e melhoramento das tilápias, estes peixes apresentam um bom desempenho em termos zootécnicos. Foram 1 Tapume (cerca) colocado em algumas lagoas durante a abertura da barra para reter parte do estoque pesqueiro, assegurando assim o suprimento de alimentos no caso de não entrar pescado suficiente na Lagoa (Seixas, 2002). 40 amplamente disseminadas e incentivadas em atividades de aquicultura de variadas escalas, levando a escapes em diversos ecossistemas ao redor do mundo, com registros de invasão e impactos negativos em mais de uma centena de países (Casal 2006; Figueredo; Giani, 2005; Vitule 2009; Attayde et al., 2011; Latini et al., 2016; Birck et al., 2019; Vitule et al., 2019; Shuai; Li, 2022; Shuai et al., 2023). Atualmente as tilápias são reconhecidas como uma das espécies invasoras mais perigosas para a biodiversidade nas regiões tropicais e subtropicais do mundo, em virtude dos riscos e impactos ambientais associados ao processo de colonização, interações ecológicas e dispersão implicando em consequências econômicas negativas na pesca, devido à redução na sobrevivência de peixes nativos (Latini et al., 2016; Birck et al., 2019; Shuai; Li 2022; Shuai et al., 2023). Segundo os entrevistados há dois tipos de camarão na lagoa, o camarão pata azul (Farfantepenaeus brasiliensis) e o camarão vermelhinho provavelmente (Pleoticus mueller). Observaram que o camarão vermelhinho entra na lagoa, mas não desenvolve, não cresce. A ocorrência desse tipo de camarão também foi reconhecida por pescadores no trabalho realizado por Seixas (2002) em Ibiraquera/SC. Segundo os entrevistados, os pontos de pesca do camarão são determinados pelo vento predominante do momento. Quando o vento está de sul os pescadores se direcionam para a encantada, quando vento nordeste estes se direcionam para as proximidades do Capão e no canal da lagoa. Os principais pontos utilizados para a pesca do camarão são na encantada (cerca da Encantada/Bambuzeiro/Bambuzal, Corticeira, Porto da Encantada, Lagoa das Lontras, Croa das Lontras), Capão (Laje/Fundo da laje/Croa da laje, Passa Vinte, Tapume, Ponta do Coqueiro, Casqueiro/Croa do Casqueiro, Croa do Teixeira) e canal (Ilhota/Ponta da ilhota/Croa da ilhota, Saco do Capão, Costa do Capão Comprido, Rameiro, Volta do canal, Poço) (Figura 18). Para a captura de peixes, os entrevistados (N=23, 75%) mencionaram pescar pela lagoa toda, dependendo de onde está o recurso. Quando em épocas da safra da tainha, estes costumam se concentrar no tapume ou na barra. Alguns pescadores (N=8, 25%) mencionaram frequentar mais as proximidades de suas residências. 41 Figura 7 -Áreas de pesca e os principais “pesqueiros” na Lagoa de Garopaba Fonte: Própria autora (2023). 5.1.4 A Pesca na Lagoa de Garopaba – Práticas e Estratégias Oficialmente, a pesca na Lagoa de Garopaba é regida por acordos feitos entre os pescadores em encontros na Colônia de Pescadores de Garopaba (Z12), que resultou em uma Ata citada pelos entrevistados que atualmente vale como documento norteador. Este acordo trata das regras para a atividade pesqueira, entre elas: os tipos de arte de pesca, o tamanho da malha, tipo de iluminação e a proibição de esportes náuticos e barcos motorizados. Em relação aos tipos de apetrechos, neste acordo a tarrafa de nylon (de argola ou rufo, medindo entre 14 e 16 braças de comprimento, a malha para peixe é acima de 50 mm e para camarão acima de 25 mm) é a única arte a ser utilizada. No que se refere ao tipo de iluminação, a pesca de camarão deve ser realizada com uso de lamparinas a base de querosene, denominadas por eles como “pombocas”, excluindo desta norma qualquer outro tipo iluminação. 42 As embarcações utilizadas na Lagoa de Garopaba são de características artesanais, de pequeno porte chamadas de canoa quando de madeira, e batera quando de alumínio ou fibra. As embarcações não são motorizadas e a locomoção é feita com a verga2. Dos 32 pescadores entrevistados, 29 possuem canoa e rancho, 2 entrevistados não possuem canoa e rancho e 1 possui canoa e o rancho é do irmão. Atualmente, a principal pesca é a da tainha durante a safra nos meses de inverno. Antigamente foi também a do camarão durante os meses de verão, devido à baixa produção, esta espécie tem sido menos capturada. Durante os meses de dezembro a abril, a pesca na lagoa se direciona a outras espécies de pescado, como as tainhotas, parati, siri, carapicu, robalo, carapeva, corvinota, linguado e o camarão. Segundo os entrevistados, durante os meses de setembro a outubro quando a barra está aberta, o pescado entra com a maré na Lagoa ainda pequenos (na fase juvenil) ou na forma de larvas. Há ainda algumas espécies que desovam na própria lagoa, como a tainhota e corvina. Entre dezembro e abril os peixes adultos são capturados. Em abril, com a barra fechada, os pescadores se concentram no canal para a captura do peixe adulto a qual devido ao seu ciclo precisa voltar ao oceano. Nos períodos em que a barra está fechada e o nível da água na Lagoa sobe, a pesca diminui dentro desta e os pescadores se concentram mais no canal ou no costão. A pesca do camarão com tarrafas ocorre durante o período de verão nos pesqueiros. Com a barra aberta os pescadores têm utilizado cocas fixa no canal para capturar parte do camarão que está saindo da Lagoa para se reproduzir no mar. Para a safra da tainha os pescadores mencionaram que tradicionalmente abrem a barra para coincidir com a época em que o cardume está passando no mar em frente. Segundo eles, o tempo certo para abrir a barra é durante a maré baixa, quando o mar está calmo e o nível da água da Lagoa está alto. Quando o cardume está passando pela costa eles solicitam à prefeitura o maquinário para abrir a barra. Com a barra aberta e a água doce vazando em direção ao oceano, há a tendencia de atrair o cardume. Nestas ocasiões, os pescadores se organizam para fazer as “vigias”, período de quatro dias ou mais em que pescadores organizados cuidam para que se não se tarrafeie em nenhum ponto da praia e da lagoa. Isto é feito para 2 Peça flexível de bambu. 43 não se prejudique a entrada das tainhas, de modo a garantir que haja estoque de disponível para a pesca na lagoa. Após cerca de 4 a 5 dias a água excedente da lagoa vai drenando e o peixe não entra mais. Neste momento, o tapume é colocado da ponta do casqueiro até o lado oposto e a pesca é liberada podendo os pescadores pescar tanto na praia, na barra, quanto dentro da lagoa. Após a barra fechar, o tapume é retirado em poucos dias. Essas estratégias eram realizadas antigamente, porém o tapume era feito de bambu. Os entrevistados mencionaram que plantavam o bambu em suas casas e na época da safra cada um cortava, levava com carroças de boi para os pesqueiros e de lá outros pescadores com suas canoas levavam até o local onde as estacas eram colocadas. Para isso se reuniam 20, 30, 40 homens. Com a evolução, os bambus foram trocados por mourões e rede de nylon. Hoje, o tapume é feito com aproximadamente 200 mourões e uma rede fixa de nylon com diâmetro de 0,60 mm, malha 5 cm, feita com dois nos, a altura é de 2,50 m e tem 200 a 300 metros, entralhada com canos de concreto que serve como chumbada. Segundo os pescadores entrevistados, uma importante mudança observada foi no mecanismo de manejo de abertura, onde tradicionalmente era exercido sob a coordenação das lideranças pesqueiras com tradição e conhecimento local e respeitando as regras sociais, onde os próprios pescadores munidos de pá e enxada, realizavam o trabalho. Atualmente essas aberturas são realizadas por maquinário pesados e seguindo recomendação do poder público, tendo em conta na maioria das vezes as ações ocorridas nas lagoas, sem levar em consideração seus conhecimentos, técnicas e tradição para o manejo desta ação. Também, com a modernização dos petrechos de pesca, os pescadores optaram por utilizar a rede de nylon fixas em mourões, enquanto antigamente estes utilizavam como cerca os bambus. Ainda, no momento da “batida”, momento este onde os pescadores podem começar a pescar, antigamente era feito com foguetes a fim de sinalizar a liberação da pesca e atualmente se faz por meio de celulares. Seixas (2002) verificou que na Lagoa de Ibiraquera/SC, também compartilham das mesmas técnicas de manejo para a pesca da tainha. 44 5.2 AS MUDANÇAS NA LAGOA DE GAROPABA E AS AMEAÇAS À ATIVIDADE PESQUEIRA Com relação à identificação de mudanças e impactos nos componentes biofísicos nos últimos anos na Lagoa de Garopaba, 32 entrevistados afirmam ter havido tanto o impacto na pesca quanto na estrutura física da lagoa (e.g., características do solo, profundidade e área de alagamento) durante o tempo em que moram na região. Dentre estas, podemos citar destruições das dunas da Praia da Ferrugem e da Praia da Barra (N =32, 18%), aberturas da barra com maior frequência (N=32, 18%), assoreamento do canal (N=32, 18%), diminuição dos pescados (N=32, 18%) e assoreamento da lagoa (N=12, 7%). Em menor escala, as partes interessadas também mencionam impactos negativos como o a mudança dos sedimentos “excesso de lodo na lagoa” (N=10, 6%), diminuição da população de carapeva para o aumento das populações de carapicu (N=10, 6%), aberturas de novos “valos” de drenagem urbana (N=9, 5%), crescimento desequilibrado da vegetação (N=4, 2%) e a troca de espécie Mugil lisa (tainha) para a espécie Mugil curema (parati) (N=2, 1%). Tabela 2 - Mudanças na Lagoa de Garopaba Mudanças na Lagoa de Garopaba Número de citações (N) Frequência das citações (%) Destruições das dunas da Praia da Ferrugem e da Praia da Barra 32 18% Aberturas da barra com maior frequência 32 18% Assoreamento do canal 32 18% Diminuição dos pescados 32 18% Assoreamento da lagoa 12 7% Mudança dos sedimentos “excesso de lodo na lagoa” 10 6% Diminuição da população de carapeva para o aumento das populações de carapicu 10 6% Aberturas de novos “valos” de drenagem urbana 9 5% Crescimento desequilibrado da vegetação 4 2% Troca de espécie Mugil lisa para a espécie Mugil curema 2 1% 45 Para os pescadores entrevistados, as alterações observadas são consequências dos impactos ambientais que tem provocado a perda da integridade do ecossistema, interferindo diretamente no sistema e na população, que sofrem pela perda dos recursos naturais. Os motivos citados pelos entrevistados para essas mudanças foram: traçado de sua abertura artificial em períodos e épocas desfavoráveis para a pesca (N=32, 20%), aumento da poluição dos corpos da água por efluentes domésticos (N=27, 16%), gestores (N=21, 13%), casas construídas ao entorno da lagoa (N=17, 10%), pescadores de fora (N=17, 10%), o turismo (N=14, 9%), limpeza e manutenção dos canais dos rios (N=9, 5%), e o aterros usados na infraestrutura urbana (N=3, 2%). Tratando das artes de pesca, estão as divergências dos usos e aplicações do tipo de apetrecho como as redes de emalhe e arrasto (N=10, 6%), uso de coca na barra (N=7, 4%) e os barcos pesqueiros industriais (N=7, 4%). Tabela 3 - Ameaças para a Lagoa de Garopaba Ameaças Número de citações (N) Frequência das citações (%) Sentido do traçado a abertura artificial da barra em períodos e épocas desfavoráveis para a pesca 32 20% Poluição com efluentes domésticos 27 16% Gestores (Prefeitura do município, Defesa Civil e APABF) 21 13% Casas construídas ao entorno da lagoa 17 10% Pescadores de fora 17 10% Turismo 14 9% O uso de redes de emalhe e rede de arrasto 10 6% Abertura dos canais dos rios 9 5% Barcos pesqueiros 7 4% Coca na barra 7 4% Aterro 3 2% 46 A abertura artificial de barras é um instrumento de gestão utilizado em várias partes do mundo (Junior; Nunes, 2010; Moreno et al., 2010, Sbruzzi, 2015; Prestrelo; Monteiro-Neto, 2016). No Brasil, com grande número de lagoas costeiras ou estuários abertos intermitentemente essa situação também é observada e com diversos propósitos (Oliveira; Krau, 1955; Frota; Caramaschi, 1988; Lima et al., 2001; Suzuki et al., 2002; Saad et al., 2002; Bonetti et al., 2005; Santangelo et al., 2007; Sánchez-Botero et al., 2009; Rodríguez-Gallego et al., 2010; Junior; Nunes, 2010; Crippa et al., 2013; Santos et al., 2015; Sbruzzi, 2015). As razões primárias para as atuais aberturas artificiais da barra de acesso de lagoas intermitentes são a falta de planejamento no uso e ocupação de seu entorno e o desconhecimento dos processos moduladores destes sistemas (Netto, 2018). A abertura artificial de barras em épocas e formas inadequadas resultam em mudanças dramáticas no ecossistema, aumentando a variabilidade, incerteza e imprevisibilidade do sistema social com a redução da participação ativa dos pescadores nos processos de abertura, bem como a relação entre eles (Nayak; Berkes, 2010; Conde et al., 2015). Em alguns países da comunidade europeia e Austrália, a partir de 2005, interromperam a intervenção em lagoas costeiras intermitentes devido à ausência de um claro benefício, seja econômico, ecológico ou social, acreditando-se que a falta de compreensão dos processos envolvidos na manutenção da biodiversidade pode acarretar erros de gerenciamento dos recursos naturais (Dye; Barros, 2008) que possam entrar e explorar a lagoa como área de reprodução ou crescimento. As dinâmicas externas, representadas neste caso pelas mudanças na Lagoa de Garopaba, vêm influenciando diretamente as aberturas artificiais e, consequentemente, o modo de vida dos pescadores entrevistados. O problema mais citado (N=32, 20%) entre os entrevistados foi sobre o manejo de abertura da barra. Segundo eles, a abertura artificial da barra no sentido Praia da Ferrugem (Figura 18), é um dos motivos que vem causando mudanças ambientais tais como o assoreamento do canal devido ao carreamento dos sedimentos das dunas, a qual para eles foi destruída por este motivo. Também, para os pescadores artesanais entrevistados, a abertura neste sentido, bem como em épocas inadequadas, prejudica a entrada e saída do pescado de interesse, pois a água da lagoa escoa com maior velocidade e força, a qual atinge o nível da maré rapidamente. 47 Figura 8 - Abertura artificial do canal da barra sentido Praia da Ferrugem. Fonte: Eduardo Lorensi (2021). Seguindo esta mesma linha, para os entrevistados (N=21, 13%), os gestores configuram uma ameaça a lagoa, bem como para a pesca. A Defesa civil e Prefeitura ao abrir o canal da barra, tendo em conta na maioria das vezes as ações corretivas ocorrentes na lagoa não levam em consideração os conhecimentos, técnicas e tradição dos pescadores artesanais para o manejo desta ação. Assim, por vezes, essa não é aberta no melhor momento para a entrada de água salgada e pescarias vindas do oceano, prejudicando o estoque pesqueiro durante o ano na lagoa. Cabe destacar que as aberturas artificiais da barra no sentido a Praia da Ferrugem nos últimos anos têm se intensificado devido ao excesso de precipitação que cai no município e em toda a região, a qual eleva 48 rapidamente o nível da lagoa, colocando em risco a população no seu entorno. Desta forma, a Defesa Civil, juntamente com a Prefeitura de Garopaba, decide abrir a barra nesta direção, pois permite o rápido escoamento. Ainda, considerando que o canal da barra da Lagoa de Garopaba está inserido dentro do território da APABF, a mesma também detém responsabilidade em sua gestão. Anteriormente a criação da APABF, tal manejo de abertura artificial era exercido sob a coordenação das lideranças pesqueiras. A inclusão, ainda que parcial, da Lagoa de Garopaba nos domínios da APABF, vem interferindo neste manejo segundo os pescadores, pois são os responsáveis por exigir os cumprimentos de regras e normas, nem sempre feita com a concordância e participação dos pescadores. A criação da UC não interrompeu esta ação, porém, em seu Plano de Manejo de 2018 a abertura da barra somente poderá ser realizada mediante a criação de comitê de abertura. Embora este comitê não tenha se concretizado, possivelmente por causa dos conflitos e baixa participação dos pescadores, vem sendo realizadas com frequência tanto pelos pescadores quanto pela Defesa Civil. No atual momento existe a possibilidade do órgão gestor da APABF aprovar as aberturas de barras emergenciais, desde que recomendadas pela Defesa Civil, visando a entrada de peixes e a renovação da água da lagoa, torna-se necessária a criação deste comitê para o ordenamento desta atividade. Desta forma, o caminho burocrático é complexo e incompreensível para a maioria dos entrevistados que não obtém sucesso ao requisitarem autorizações para a abertura artificial da barra em épocas da safra da tainha. Em alguns locais, hoje os pescadores tradicionais passaram a trabalhar cooperativamente com a sociedade civil e governamental, realizando acordos e participando das tomadas de decisões do manejo desta atividade sobre quando, onde e como a abertura artificial pode ser feita da melhor forma possível, considerando as implicações sociais e ecológicas (Seixas; Troutt, 2004; Conde et al., 2015; Santos et al., 2015). Entre os dias 11 e 14 de fevereiro de 2023, durante o XI Seminário de Pesquisa Interdisciplinar Lagoas Costeiras de Barra Intermitente, promovido pela Área de Proteção ambiental da Baleia Franca (ICMBIO), gestores, pesquisadores e sociedade civil reuniram-se na Universidade do estado de Santa Catariana – UDESC, Laguna para sistematizar o conhecimento sobre ecologia e gestão de lagoas de barra intermitente. Este esforço foi alicerçado em uma perspectiva socioecológica e interdisciplinar, visando 49 identificar as lacunas de pesquisa existentes e desafios de gestão, bem como propor medidas mais assertivas e colaborativas Ainda, para os entrevistados, a ausência de planejamento por parte dos órgãos responsáveis pelo ordenamento territorial e urbano, possibilita o aumento do número de construções e atividades comerciais no território da Lagoa que, a cada dia, sofre de forma mais contundente sobre os recursos naturais. Desse modo, o aumento do número de residências e de atividades na área e a falta de saneamento básico concorrem para a saturação do ecossistema da Lagoa. Desta forma, o segundo e quarto problema mais mencionado pelos entrevistados, foi o aumento da poluição dos corpos hídricos por efluentes doméstico (N=27, 16%) dentro da lagoa por consequência de moradias no seu entorno (N=17, 10%), tanto residências quanto aquelas que compõe a infraestrutura turística. De acordo com os entrevistados, a alteração da qualidade da água foi devido ao aumento de casas construídas em locais impróprios, como áreas de preservação e áreas úmidas e o atual sistema de tratamento de esgoto – fossas sépticas – se tornou ineficiente, o que prejudica a manutenção da qualidade do meio ambiente. De acordo com os pescadores artesanais entrevistados, as altas cargas de poluentes, em especial provenientes do esgoto não tratado, vem tornando a lagoa imprópria para banho e pesca. Problemas como esses já são visíveis atualmente como mostra o relatório de balneabilidade do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina publicado em novembro de 2023, onde a Lagoa de Garopaba se encontra impropria para banho. Ao observar o histórico de análises da água da lagoa, entre os anos 2021 e 2022, se percebe que o problema se intensificou, já que neste período a lagoa estava classificada como própria. Também, segundo os entrevistados, nas épocas de fechamento da barra e elevação do nível da Lagoa, os efluentes não são drenados, quando então os proprietários de terrenos situados às margens pressionam para que a barra seja aberta visando atenuar os impactos da poluição em momentos desaconselhados pelos pescadores. De fato, estudos mostram que a deterioração da qualidade da água é frequente nas áreas costeiras onde há crescimento populacional e intenso processo de urbanização (Mallin et al, 2000; Garcia; Severa, 2003). Em relação a construção de residências em áreas próximas ou no entorno da lagoa, os pescadores entrevistados consideram um impacto bastante significativo do meio socioeconômico, que se intensificou. Segundo os pescadores, esse processo vem 50 contribuindo com o assoreamento da lagoa, bem como do canal, aumento de poluentes domésticos e, consequentemente, redução na produção pesqueira dentro da lagoa. também, para eles, estes dois impactos ambientais modificam a frequência de tais aberturas da barra, mencionando que devido as construções, bem como a poluição dos corpos de água, as aberturas se tornam frequentes. Desta forma, a pesca passou a ser prejudicada pelo crescente número de casas e pelo descarte irregular de esgoto e, como consequência, a atividade não se torna mais rentável devido a diminuição e frequência do pescado. As características do uso e ocupação das áreas alagadas mudaram drasticamente e os entrevistados apontam não ser mais possível fazer a criação do pescado dentro da lagoa. Segundo Jacomel (2012), no município de Garopaba, a aplicação da legislação ambiental vem encontrando obstáculos em decorrência da falta de vontade política e carência de recursos materiais e humanos para a fiscalização ambiental. Em consequência, vêm se intensificando os casos de ocupação e uso desordenado do espaço territorial, a exemplo de construções, aterros e drenagens em Áreas de Preservação Permanente (APP); comprometimento de fluxos de águas superficiais e subterrâneas, devido ao uso excessivo e descontrolado das mesmas, como os casos ligados a construções de poços artesianos; descargas clandestinas de efluentes domésticos e comerciais contaminando córregos, banhados e lagoas, além de colocar em risco a balneabilidade das praias. Cabe destacar, considerando a conjuntura descrita acima que, para os entrevistados, em épocas em que a precipitação pluviométrica é maior e com a área alagada ocupadas pelas moradias, reduz-se o espaço para conter o volume dentro das áreas alagadas e faz-se necessária a abertura da barra mais frequentemente. Para eles, hoje a barra está sendo aberta artificialmente para favorecer estas casas que, devido as cheias e poluição, necessita do escoamento da água para não prejudicar a população residente no entorno da lagoa. Antigamente, a lagoa conseguia compensar esta descarga, pois não existiam tantas casas nos municípios e a barra podia permanecer fechada durante um período para o pescado crescer, pois havia um limite dentro essas áreas para o escoamento. Hoje, a barra abre com mais frequência o pescado não consegue atingir o tamanho para a captura, de forma que os pescados acabam sendo levados com a corrente para o oceano. 51 Também cabe mencionar que os pescadores entrevistados preferem que a barra abra com mais frequência para haver a troca da água do mar com a lagoa, visto que hoje a preferência é o pescado que vem do mar e não mais o que se cria e/ou criava na lagoa. Conforme o relato a seguir. “O peixe era mais gordo, um peixe bom, mais cheiroso, se você estivesse assando ali na outra casa, eu aqui estaria sentindo o cheiro. Muito bom. E hoje a gente já não vê isso. No inverno o vizinho faz e a gente até consegue sentir, mas normalmente a gente já não consegue mais sentir que é o nosso peixe. Houve uma inversão. Por exemplo, a gente tinha o peixe bom na lagoa e não gostava quando abria a barra e entrava o peixe de fora, a gente não gostava porque o nosso peixe era bom, o peixe que vinha de fora era ruim. Agora fora do período da tainha, a gente já está querendo o peixe de fora, que não é grande coisa” (Entrevistado 11). Ainda, dentre os 32 entrevistados, três afirmam que este tipo de ocupação tem produzido a “privatização do espaço público” uma vez que o acesso a lagoa passa a se restringir a quem detém a propriedade. Diante desta mesma perspectiva, os entrevistados (N=3, 2%) apontaram os impactos relacionados ao aterro das áreas úmidas para a construção dessas moradias, o aterro utilizado para as estradas, causando o assoreamento da lagoa. Também os entrevistados (N=9, 5%) mencionaram a destruição da vegetação da mata ciliar dos rios que desaguam na lagoa. Junto a outros fatores, essas aberturas ajudam a potencializar o assoreamento, o excesso de sedimentos lodosos, o prejuízo a qualidade de água e a redução de algumas espécies de água doce como o cará e a traíra. Podemos destacar também o CET dos pescadores entrevistados em relação à importância da mata ciliar para a conservação dos rios e manutenção das espécies que dependem deles, além dos benefícios recebidos diretamente dos rios. Essas atitudes demonstram o reconhecimento dos entrevistados sobre o serviço prestado pelo meio ambiente e as relações com o bem-estar humano (Holmlund; Hammer, 1999; Turner et al., 2007; Andrade; Romeiro, 2009). Ainda, estes reconhecem o valor da renovação da água da lagoa proporcionada pela água salgada que dilui os poluentes lançados, oxigena a água, traz alimentos e proporciona a troca de pescados dentro da lagoa. Diante de todo este contexto, os 32 pescadores entrevistados mencionam que o canal de comunicação entre a lagoa e o mar, necessita de dragagem para melhorar a 52 atividade pesqueira, visto que este está assoreado a qual prejudica a entrada dos pescados e a qualidade da água da lagoa. Diante do exposto, é indiscutível o impacto negativo da urbanização no entorno da Lagoa de Garopaba, nota-se que a aceleração especialmente com relação àqueles associados à manutenção da qualidade da água, vem impactando significativamente este sistema. Outro tipo de situação ameaçadora para os pescadores (N=17, 10%) recorrente na área diz respeito a presença de pescadores externos denominado por eles como o “pessoal de fora”. Estes mencionam que houve um aumento do número de pessoas vindas de “fora” que, muitas vezes, quando pescam, não respeitam as leis e regras tidas tradicionalmente por eles, como por exemplo a rede de arrasto em épocas de camarão ou rede de emalhe. Essas pessoas têm capturado grandes quantidade de pescado. Os pescadores mencionaram que em épocas da safra da tainha os pescadores externos se concentram no canal da barra, na praia e no tapume competindo com os pescadores locais pelo recurso. Também teve aqueles que mencionaram a pesca do cará em época de reprodução. Ressalta-se que os entrevistados, ao pontuar este impacto não se limitaram a descrever que apenas o “pessoal de fora” prejudica, mas também de outras localidades do município. Também, segundo 14 (9%) entrevistados, o turismo vem gerando consequências negativas para a pesca. Na Lagoa de Garopaba, a intensificação do turismo durante o verão leva ao uso intensivo de esportes náuticos como caiaques e standup, os quais estão, muitas vezes, limitados ou proibidos para eles. Para os entrevistados, este tipo de esporte prejudica a atividade pesqueira, visto que acabam por espantar o peixe na lagoa, dificultando a captura do pescado: Se a barra está aberta, os peixes que estão dentro da lagoa são afugentados para o oceano. Ainda, para eles, os turistas bem como moradores locais “atrapalham” a entrada do cardume de tainha em épocas de safra. Estes mencionam que, antigamente, as dunas na barra eram altas e o canal ficava lá embaixo, era profundo e os turistas não prejudicavam, pois o peixe não sentia a presença. Hoje por não existir mais as dunas e o canal estar assoreado o turista acaba prejudicando o cardume de tainha que está entrando. Por possuírem características convidativas, as zonas costeiras atraem atividades relacionadas ao turismo. Lakshmi (2016) destaca que essas áreas são frequentemente submetidas ao fenômeno chamado “urbanização recreacional”, onde espaços passam a 53 ser alterados para construção de atividades para os turistas. Budeanu (2007) aponta que poucos turistas mostram responsabilidade no que tange a comportamentos sustentáveis para com as comunidades de destino, as quais são afetadas de forma significativa com os impactos que se intensificam com as atividades turísticas (Yang et al,.2013; Lopes, 2016). As atividades turísticas são, de fato, geradoras de bens e serviços; entretanto, não carregam consigo apenas benefícios e vantagens (Silveira, 2002). Os entrevistados (N=7, 4%) disseram também que, acompanhando a estas mudanças, houve um crescimento de embarcações industriais no oceano o que pode estar relacionado a redução da disponibilidade de camarão e peixes na lagoa. Em Garopaba, um estudo de Filardi (2007) respalda e adiciona informações fornecidas pelos entrevistados, pontuando que a captura industrial de camarão no oceano é intensa, diminuiu a quantidade de adultos que desovam, afetando a disponibilidade de larvas para retornar às lagoas e manter o ciclo. Além das mudanças supracitadas, que afetam a disponibilidade de recursos, os entrevistados mencionam o uso excessivo de rede do tipo coca de espera ou “fixa” no canal da barra (N=7, 4%). Estes relatam que devido à baixa quantidade de camarão na lagoa, nos últimos anos estes tem intensificado o uso de rede do tipo coca de espera no canal em momentos que a barra está aberta. De acordo com os pescadores, essas redes capturam grandes quantidades de camarões de menor tamanho e atrapalha o fluxo de entrada e saída do pescado. Apesar de proibidas e eles saberem, grande parte dos pescadores artesanais que utilizam a lagoa para a pesca fazem o uso desse tipo de apetrecho. Esse efeito, além de criar um problema de acesso desigual ao recurso, também causa uma intensificação da pesca. O resultado foi, portanto, um aumento geral do esforço e explotação do pescado e uma intensificação dos impactos ambientais associados a esta lagoa. Em consequência das mudanças ambientais ocorridas na região, relatos dos pescadores entrevistados destacaram a diminuição ou até mesmo o desaparecimento de algumas espécies (N=32, 18%). Para eles, a redução da disponibilidade de camarão, siris e peixes nas lagoas se deve a um conjunto de fatores, sendo relatados os seguintes impactos negativos: o tempo e forma de abertura artificial da barra, aumento da poluição na lagoa, ocupação nas margens, pesca predatória, destruição de habitat, assoreamento do canal e embarcações pesqueiras. 54 Ressalta-se que este ecossistema sempre foi considerado pelos entrevistados referência de reprodução para inúmeras espécies de pescados como a tainha, camarão e cará. Contudo, por conta da intensa degradação que afeta a lagoa, o número de espécies de pescados vem diminuindo e alterando o sabor do pescado. Dentre estas espécies estão o Peixe Catarina (desapareceu da lagoa a mais de 40 anos), Cará, Camarão pata azul, Carapicu, Siri, Linguados, Corvina, Caranha e Traíra (Tabela 4). Tabela 4 - Espécies de pescados que sumiram ou diminuíram da Lagoa de Garopaba. Espécies Número de citações Frequência das citações Cará (diminuiu) 24 18% Camarão da pata azul (diminuiu) 22 16% Carapicu (diminuiu) 12 9% Siri (diminuiu) 12 9% Linguados (diminuiu) 10 7% Corvina (diminuiu) 10 7% Robalo (diminuiu) 9 7% Caranha (diminuiu) 5 4% Traíra (diminuiu) 4 3% Peixe Catarina (desapareceu) 3 2% 5.3 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA LAGOA DE GAROPABA Uma importante questão gerando conflitos entre os atores sociais que utilizam a Lagoa de Garopaba é a discussão em torno da melhor época e forma de abertura artificial da barra. Os conflitos gerados sobre esta ação envolvem as categorias entre os pescadores artesanais e a categoria entre os grupos de pescadores artesanais e associações (Tabela 5). 55 Tabela 5 - Conflitos existentes na Lagoa de Garopaba Categoria do Conflito Subcategoria do Conflito Número de citações Frequência das citações Entre os pescadores Artesanais Traçado da abertura da barra 32 48% Apetrechos de pesca 14 21% Tarrafeiros X Pescadores da canoa (redeiros) 7 10% Pescadores Artesanais X Associações Abertura da Barra 14 21% Dentre os grupos de pescadores, mesmo compartilhando da mesma herança cultural, existem divergências de conhecimentos em relação ao manejo de abertura artificial da barra. Os conflitos são gerados a partir de suas visões múltiplas de como era o antigamente e “certo” para cada entrevistado. É ponto comum entre todos que a abertura realizada na praia da Barra traz benefícios para a pesca na lagoa, como por exemplo, a melhoria da qualidade da água pelas marés e diversidade e quantidade de pescado. No entanto, os atores discordam sobre o tempo que esta permanecerá aberta e qual seu sentido de abertura. De acordo com 16 (53%) pescadores entrevistados, a abertura da barra in